terça-feira, janeiro 12, 2010

O Programa Nacional de Direitos Humanos e a democracia

   "uma lição que podemos tirar da experiência constitucional dos EUA é que as palavras utilizadas em cada dispositivo da carta de direitos tende a cobrar vida por si mesmas, convertendo-se em um obsessivo slogan que serve para expressar qualquer coisa que um queira dizer sobre o direito em questão" Jeremy Waldron

Nos últimos dias, o país tem assistido a uma forte discussão sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos. Aliás, não se trata exatamente de uma discussão, pois, aparentemente, só há um lado: o dos que discordam do PNDH. Nesse sentido, estamos diante de mais uma prova de que um dos maiores problemas em nossa democracia é a distância entre os que falam e os que gritam. A grande mídia transforma uma posição política particular em verdade universal, massacrando os que divergem, impondo-os o silêncio.

Mas não quero, aqui, discutir quem está com a razão, nem refletir sobre algum conteúdo em particular do PNDH. Como já indica o texto de Jeremy Waldron escolhido para a epígrafe, quero utilizar a polêmica que assistimos para ressaltar a dificuldade, ocultada por muitos no Direito, de trabalhar com um discurso de direitos.

As democracias constitucionais são caracterizadas pelo desenvolvimento do jogo político sob um documento normativo, a Constituição, que fixa direitos, que funcionam como pré-condições para esse jogo. Das revoluções burguesas aos nossos dias, conhecemos uma substancial alteração do papel dos direitos na vida política. De uma sociedade na qual os direitos eram concretizados por meio de uma ação racional do legislador, passamos a uma sociedade na qual o legislador é ameaça a direitos, que são garantidos por um Judiciário intérprete da Constituição.

Mas o acordo - que é fácil quando a pergunta é sobre “quais os direitos que devem ser garantidos” - fica impossível quando descemos a detalhes na discussão sobre “o conteúdo" dos direitos”. Qualquer um diria que é legítimo ter, na Constituição, a proteção ao direito à vida, mas teríamos diversas posições sobre a abrangência do direito à vida em relação a temas como eutanásia, aborto, greve de fome etc. Esse debate, sobre conteúdo de valores, sempre será difícil em uma sociedade pluralista, como a nossa.

Essa dificuldade, então, precisa levantar as orelhas dos democratas, que devem desconfiar de discursos que instrumentalizam o conceito de direitos. Posições políticas exóticas – que não resistiriam a um debate democrático mais aberto – apegam-se à idéia de direitos humanos para afirmar sua validade, quando representam não uma idéia universalizável, compatível com o movimento histórico que cunhou o Estado moderno, mas uma idéia política particular.

Essa postura não é propriedade da direita ou da esquerda. Os dois extremos têm seus discursos de direitos e fazem muxoxo diante das idéias do outro lado. No entanto, apegam-se às suas verdades e tentam triunfar em uma luta em um espaço que alguns chamam de “interpretação”. Pessoas dos dois lados, com essa postura, mostram-se pouco afeitas ao procedimento democrático. Acima de tudo, mostram-se pouco transparentes, escondendo a natureza política de suas decisões, cobrindo-as com um falso manto de objetividade.


É assim que as empresas de comunicação celebram o triunfo, no Supremo Tribunal Federal, da versão ultraliberal da liberdade de imprensa. Por outro lado, é assim que grupos à esquerda, de formação autoritária, usam um discurso sobre direito à comunicação para justificar vedações a discursos. Essas posições, precisam ser expostas em praça pública, discutidas e adotadas ou descartadas pela sociedade, mas não se justifica que as decisões sejam sumariamente transferidas aos intérpretes da Constituição.


Poderíamos ver esse momento, de debate sobre o PNDH, como uma oportunidade de discutir o fortalecimento das instituições e dos procedimentos democráticos e de refletir sobre o papel que os direitos representam para isso que chamamos de democracia.

Nenhum comentário: