quinta-feira, dezembro 16, 2010

Algumas memórias sobre Warat

O Professor Warat faleceu hoje. Narro, a seguir, pequenas histórias que vivi, em Floripa, em 1993. Ele foi designado "orientador de curso" de toda a turma. Era de sua responsabilidade nos orientar na escolha de disciplinas e direcionar a outros professores, até termos orientadores definidos.

I.
Nosso primeiro contato com ele foi uma reunião na qual ele fez ácidas críticas à modernidade, à idéia de racionalidade, à possibilidade da objetividade...Fiquei chocado. Eu era um quase ex-marxista, ainda cheio de esperanças na revolução, crente em uma racionalidade contida no discurso político da modernidade. Pedi a palavra, metido, contestei sua desesperança e ouvi dele, para o deleite de todos "você está com saudade da primeira mamada".

II.
Em uma aula ele nos falava da diferença entre um estilista e uma costureirinha do Rio Vermelho, bairro da Ilha. Para ele, a costureirinha era muito boa. Ela faria um terno tão bom quanto o criado pelo estilista. No entanto, ela precisava de um modelo. Você entregava o terno mais fino do mundo e ela fazia um absolutamente igual. No entanto, caso você a entregasse apenas o tecido, ela nada conseguiria fazer. O estilista, ao contrário, fazia do tecido algo genial que a costureirinha não seria capaz de imaginar. No final, ele disse: os juristas brasileiros se contentam em ser costureirinhas do Rio Vermelho.

III.
Ele nos falava que havia conhecido Leonel Severo Rocha, o nosso Professor de Teoria do Direito, quando este ainda era aluno do primeiro período do curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria. Segundo Warat, Leonel chegou com um livro de Miguel Reale sob o braço, olhou nos olhos de Warat e disse: Professor, eu quero aprender Filosofia do Direito. Então, Warat respondeu: comece jogando esse livro fora.

IV.
Um Professor na UFSC contou que saiu uma vez com Warat e outros professores para beber, em um evento em Belo Horizonte. Depois de passarem por alguns bares, acabaram a noite em um Cabaret. Todos beberam e, já bem embriagados, notaram que a casa já estava fechada, todas as prostitutas estavam sentadas ao redor de Warat, que explicava para elas a Teoria Pura do Direito de Kelsen.

terça-feira, dezembro 14, 2010

Caso Araguaia

A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (ver link) sobre a postura do Estado brasileiro no Araguaia é um documento memorável, pois recoloca em debate possibilidade de anistia de crimes contra a humanidade, cometidos em nossa ditadura.
Há passagens muito fortes, como a que segue:

 "As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil."
Vale muito á pena dar uma lida.

Qual o sentido de exigir diplomas?

Na universidade, muitas vezes vi professores resistindo à exigência de diploma de doutor para concursos públicos para o magistério superior. O argumento mais comum é o de que há doutores que pouco sabem e que deveríamos abrir o concurso a todos, pois alguém com graduação poderia ser "melhor" que mestres ou doutores.

Nesse argumento, há um conjunto de problemas. 

Em primeiro lugar, há uma crença em um poder quase absoluto de os concursos selecionarem os "melhores". Um concurso é, muitas vezes, momento. Conheço pessoas com excelente formação que já se submeteram a vários concursos e que não conseguem sucesso, apesar de todo o conhecimento que possuem. Outras pessoas, nem tão bem formadas assim, conseguem transformar o pouco que adquirem em sucesso nas provas. Também questiono essa busca pelo "melhor", afinal somos multidimensionais e cada um é melhor em uma coisa diferente, de forma que é preciso deixar bem claras quais as habilidades que se quer encontrar no candidato aprovado.

Não acho que o perfil atual de docente corresponda a alguém com conhecimento enciclopédico. Precisamos mais de alguém com perfil que equilibre domínio de certos conteúdos com uma formação metodológica, que se manifeste em uma capacidade para a pesquisa.

Aí surge a importância do doutorado. Quanto obtém o título, o indivíduo já foi submetido, por alguns anos, a um ritmo de trabalho diferente do que conheceu na graduação, que se voltava a transmitir volumes e mais volumes de informações. Ele já foi testado na delimitação de temas, no desenvolvimento de pesquisa e na apreciação crítica de temas, pelo menos em tese. Dentre os doutores, a universidade selecionará o que tenha o perfil mais adequado à vaga oferecida.

O problema de alguns críticos dos diplomas é que, geralmente, só criticam a exigência dos diplomas que eles não têm.

Nenhum diploma garante formação. Quantas pessoas saem dos cursos de graduação sem qualquer capacidade para a atividade profissional?

O argumento de que não exigir o doutorado aumentaria as chances de aparecerem candidatos melhores recomendaria o afastamento não só do diploma de doutorado, mas de qualquer diploma. Um concurso, para qualquer cargo, sem exigir diploma poderia selecionar autodidatas com boa formação.

Vejo também problema na abordagem jurídica da questão do diploma para o jornalismo.

Para o STF, o jornalismo "é o desenvolvimento profissional das liberdades de expressão e informação". Essa definição foi o argumento central para a declaração de inconstitucionalidade da exigência do diploma para exercício do jornalismo. Aplicado à advocacia, o argumento poderia, também, resultar na inconstitucionalidade da exigência do diploma, afinal, a advocacia "é o desenvolvimento profissional do direito fundamental à ampla defesa".

O jornalista é o que tem o dever da informação verdadeira. O que recolhe e compartilha informações sobre fatos. Não é qualquer um que escreva em jornais e revistas, dando opinião. Essa atividade precisa ser feita com uma responsabilidade que pode justificar a exigência do diploma. A decisão legislativa de exigir o diploma para essa atividade não fere, ao meu ver, qualquer norma constitucional. Eu continuo com meu direito de dizer o que eu bem entender, mas quem estiver lendo minhas besteiras saberá que não sou jornalista e não tenho os deverem éticos dessa profissão.

Hoje, no mundo, há muito acúmulo de informação sobre uma deontologia da profissão de jornalista. Regulamentar a profissão e dar a ela uma formação profissional pode ser o diferencial em uma sociedade com excesso de informação, como é a nossa. Na internet, a diferença entre um aventureiro e um site sério de notícias passará pela formação e pela responsabilização dos profissionais.

Acho que precisamos discutir melhor esse problema em nosso país.

terça-feira, dezembro 07, 2010

A responsabilidade de avaliar

Um dos maiores desafios da minha vida de professor sempre foi avaliar. Cuido ao máximo da avaliação, buscando, ao menos, manter os mesmos critérios na determinação da nota, mesmo que não sejam os melhores aos olhos de todos. Tenho consciência de que sempre existirá, em alguns avaliados, a sensação de injustiça. 
Para o meu desespero, o meu dever de avaliar não se resume à avaliação de alunos nas disciplinas sob minha responsabilidade. Já participei de inúmeras comissões de seleção para mestrado e doutorado, elaborei provas de concurso, avaliei projetos e trabalhos finais de iniciação científica, dou pareceres em pedidos de bolsas no CNPq e na CAPES, dentre outros momentos de avaliação. Dessas experiências, destaco a de ter participado, neste triênio, da avaliação da pós-graduação. Nesse caso, a avaliação diz respeito a três anos de dedicação de instituições e de grupos de pesquisadores, podendo o resultado da avaliação determinar os próximos anos das vidas de muitas pessoas.
No entanto, avaliar é necessário. Na escola, para aferir o aprendizado. Nos projetos de pesquisa, para diferenciar pleiteantes. Na avaliação da pós-graduação, para orientar investimentos públicos, escolhas individuais e possíveis mudanças de rumos em instituições.

Avaliação, pesquisa de opinião e enquete

Já há alguns anos, o Diretório Acadêmico da FDR-UFPE vem fazendo o que chama de avaliação docente. Anualmente, coloca cartazes em mural com um ranking dos professores. Somos classificados, do melhor ao pior.
Sempre vi com desconfiança essa iniciativa, apesar de ser um entusiasta da idéia de avaliar a atividade docente.
Estamos prestando um serviço público e precisamos ser avaliados. Não apenas a instituição, mas, também, os docentes. O resultado de uma avaliação séria pode orientar decisões administrativas e levar docentes a rever práticas.
No entanto, esses resultados que agora conhecemos em nada ajudam a instituição ou o docente "avaliado".
Toda a "avaliação" é feita apenas com a aplicação de questionários aos alunos.
Uma avaliação precisaria ir além da mera opinião dos outros atores do processo educativo. Precisaria incluir dimensões da atividade docente que são fundamentais e que apenas poderiam ser apreendidas com análises mais aprofundadas da atuação do avaliado. Um exemplo, que é risível, é o quesito "produção intelectual". Como avaliar esse quesito sem ver o que o docente publicou? Perguntam a um aluno que nunca viu nada publicado por nenhum docente que nota ele daria à produção de cada professor. Um com alta produtividade pode ter nota quatro, enquanto alguém que nada publicou pode ter dez.
Na verdade, essa avaliação não chega a ser nem mesmo uma pesquisa de opinião. Para isso, precisaria observar métodos de escolha de amostra, estatisticamente fundamentados, o que não é feito. Há uma advertência no cartaz, tentando dar seriedade à iniciativa, dando conta do fato de que apenas foram considerados docentes com mais de dez respostas de alunos. Isso não quer dizer nada.
Era necessário saber quantos alunos o professor teve, de que turmas os entrevistados eram, como foram escolhidos, dentre outros dados.
Perguntando, na saída do Estádio dos Aflitos, em dia de jogo do Náutico, no campeonato brasileiro, pra que time pernambucano os entrevistados torcem, terei forte probabilidade de dizer que ele tem a maior torcida do Estado. Não importa se entrevistei cem ou mil pessoas.
Essa "avaliação" não passa de uma enquete, ao estilo daquelas que estão em sites da internet, perguntando sobre coisas importantes, sem qualquer pretensão de representar a opinião pública. A diferença é que aquelas enquetes são acompanhadas de advertências quanto à ausência de valor estatístico de seus resultados. No caso da "avaliação", tentam os avaliadores fazer o ranking, que, possivelmente, orientará alunos na matrícula, quando houver opção entre um professor "bom" e um professor "fraco".
Não há, sequer, a submissão dos dados usados para "avaliar" os docentes a uma auditoria. Não há como saber se foram realmente questionários respondidos por alunos daquele docente, nem sabemos quantos alunos responderam.
Ainda cabe falar do problema ético que envolve, com base nesses dados, expor publicamente docentes a essa classificação. Há alguns anos, a Unicap divulgava a nota dos alunos em murais, nos corredores. Qualquer um poderia saber as notas dos colegas. Nos últimos anos, foi adotada outra orientação. Agora, apenas o aluno tem acesso à sua nota. A divulgação em mural proporcionava uma exposição inadequada dos alunos, permitindo que outros fizessem uso das informações em prejuízo do principal interessado.